Planejar é roteirizar

Todo educador sabe que um dos fundamentos de sua profissão é o planejamento. A arte de ensinar e de compartilhar conhecimento precisa, necessariamente, ser feita de acordo com uma lógica pré-determinada, segundo o modelo pedagógico que mais se adeque à disciplina ou ao tipo de curso em que se está inserido.

Planejar é o primeiro passo para garantir que o conteúdo da aula seja trabalhado de maneira organizada, dividindo-o em etapas de acordo com o tempo da aula e traçando objetivos em cada uma delas. É no cumprimento desta sequência que o conhecimento é construído e que o objetivo final de cada aula pode ser alcançado.

De certa forma, dar aula é contar uma história, ou seja, elaborar uma narrativa que visa chegar a algum lugar. Não importa que seja uma aula de matemática, de geografia, de culinária ou de artes, em todas elas o educador precisa ter um objetivo final e pensar em maneiras de chegar a ele.

Certamente, todo mundo em algum momento da vida de estudante teve a sensação de sair de uma aula sem aprender nada, como se tivesse sido uma grande perda de tempo. É muito provável que estas aulas tenham sido mal planejadas. É possível ainda que a história que nos contaram não tenha sido bem elaborada ou mesmo que não houvesse história alguma.

É claro que prender a atenção dos estudantes não é algo simples. Já não era na época do quadro negro e do giz, ficou mais difícil quando os educadores passaram a competir a atenção com notebooks e smartphones e agora, na era das aulas virtuais, o desafio é lidar com uma ferramenta a qual muitos não estão acostumados, que é a linguagem audiovisual.

Sim, as aulas virtuais são um produto audiovisual como outro qualquer. Deste modo, o educador precisa dominar esta linguagem se quiser que suas aulas atinjam os objetivos e que os estudantes aprendam mais e melhor. Mas não se assustem, nossa ideia aqui é mostrar que se trata de uma adaptação a um novo meio utilizando o saber que os educadores já possuem.

Já dissemos aqui que os bons educadores sempre foram contadores de histórias e que estas demandam um planejamento. Sendo assim, a primeira coisa a se fazer é transformar essas histórias em um roteiro, pois esta é a ferramenta utilizada no audiovisual para colocar histórias no tempo e buscar um objetivo.

A importância do roteiro

Atualmente, a linguagem audiovisual é aquela que temos mais contato. Estamos rodeados de telas, assistimos a vídeos curtos, séries e filmes cotidianamente. E é por isso que a ideia de um roteiro não nos é estranha. Não é preciso ser especialista em cinema para dizer que um filme é chato quando sentimos que ele não vai a lugar algum.

Os rumos de um filme, assim como de qualquer produto audiovisual, são definidos no seu roteiro. Do mesmo modo, uma boa aula virtual precisa necessariamente ser bem roteirizada. E o que existe de mais fundamental para que um roteiro seja interessante é o conflito, ou seja, um problema que precisa ser resolvido. É na resolução que está a lição, seja do filme, seja da aula.

Em Procurando Nemo (2003), o pequeno peixinho desobedece ao pai e acaba indo parar em um aquário na Austrália. Neste caso, o desaparecimento de Nemo é o problema e o seu resgate é a solução. O modo como vai se dar este resgate é o conflito, porque é o que faz a história acontecer. E é na resolução do conflito que está também a lição do filme.

Em uma aula virtual é a mesma coisa. O educador precisa transformar o seu conteúdo em um roteiro interessante, ou seja, em uma história com começo, meio e fim, em que exista um problema, uma solução e uma lição ao final da aula. É na busca pela solução do problema que está o conflito e é nele que os estudantes encontrarão sua lição.

Um roteiro bem escrito vai tornar possível que todo o conteúdo planejado para uma aula seja distribuído de forma adequada dentro do tempo disponível. Além disso, ele vai deixar claro cada momento e tornar o educador mais seguro de seus objetivos, correndo menos risco de se perder e proporcionando claridade na avaliação dos resultados da aula.

É legal entendermos que o roteiro funciona como um guia e não como uma prisão. Mas, esta escolha é outra coisa que vai depender do tipo de aula. Quando elas são gravadas previamente, o roteiro da aula é mais parecido com o de um filme, podendo ser seguido fielmente, já que não conta com a interação dos estudantes.

No caso de aulas ao vivo, o cenário muda um pouco. Talvez, numa aula de ciências exatas, o roteiro possa ser seguido com um pouco mais de rigidez, desde que preveja momentos para a participação dos estudantes. Já em aulas de ciências humanas, ele deve necessariamente conter espaços para debate, perguntas, improvisações e mudanças de rumo.

Para um educador da área do jornalismo, por exemplo, é essencial criar roteiros flexíveis, que levem em conta o debate com os estudantes e até mesmo acontecimentos relevantes que se tornam tema de aula em cima da hora. A regra de ouro é se manter atualizado em relação às questões relevantes do seu tempo, independentemente da área de conhecimento.

A elaboração do roteiro

Para a elaboração do roteiro de uma aula virtual, antes de mais nada, o educador precisa estar ciente de quem é o seu público-alvo. A complexidade de sua história e os objetivos podem variar de acordo com a faixa etária e com os diferentes tipos de cursos e instituições. É de suma importância garantir que o plano de ensino e as ementas sejam contemplados no roteiro.

Tendo estas informações organizadas, é chegada a hora de elaborar o roteiro. É neste momento que começaremos a trabalhar com a ideia de conflito que guiará nossa aula. Mas o conflito é somente o coração da história. O roteiro completo deve ser dividido em quatro partes: problematização, conteúdo, prática e desfecho.

Na problematização o educador deve apresentar o assunto da aula e suas etapas. Esta parte consiste num resumo para que fique claro aos estudantes o que aprenderão. Numa aula de biologia sobre a estrutura de uma célula animal, este seria o momento de o educador criar alguma história que terá como protagonista aquela célula.

A ideia aqui é não dizer simplesmente: “Hoje falaremos sobre a célula animal...”. O educador deve pensar em alguma situação em que a célula irá aparecer. E, felizmente, a própria história de cada ciência pode ser a fonte de inspiração. Para falar de células, portanto, o educador pode contar a história de como foram descobertas ou do surgimento dos microscópios.

Ainda na problematização, o educador pode indicar o aprendizado pretendido no final. Na mesma aula de biologia, seria interessante dar pistas de que o objetivo é explicar aos estudantes o funcionamento de uma célula animal. Isso pode ser feito dentro da própria história, mencionando a importância de se entender as funções daquelas células.

Mesmo no caso de aulas ao vivo de filosofia ou artes, em que invariavelmente ocorrerão debates e divergências, inclusive entre educadores e estudantes, a etapa de apresentação do tema e da indicação do objetivo funciona muito bem. A diferença é que nestes casos o aprendizado da aula pode ser a própria importância do debate e da troca de ideias.

A segunda parte do roteiro é destinada ao conteúdo da aula. Aqui, o educador vai fornecer as ferramentas para que os estudantes resolvam o problema que lhes será apresentado na sequência. Numa aula prática de poesia, este seria o momento para o educador ensinar, por exemplo, o que são versos, estrofes, quais são os tipos de rimas e métricas.

Ao passo em que o conteúdo foi exposto, chegamos na parte do roteiro de aula destinado à prática. Pensando na mesma aula de poesia, agora seria a hora para o educador desafiar os estudantes a escrever, quem sabe, um soneto, ou se não estiverem inspirados, analisar um poema famoso e indicar os tipos de rima e métrica, a fim de testar se o conteúdo foi bem assimilado.

É claro que esta parte da aula pode ser um pouco diferente, dependendo do tipo de curso. Numa aula gravada, não é preciso separar um tempo para esta atividade, que deverá apenas ser exposta, cabendo ao estudante realizá-la ou não. Mesmo em aulas ao vivo, pode ser que uma atividade prática não seja possível, no caso de aulas muito teóricas. Mas, é imprescindível que o conteúdo consiga despertar questionamentos nos estudantes, de modo que se interessem pelos debates e por pesquisar mais o assunto.

A parte final do roteiro é o desfecho. Nele, o educador pode utilizar diversas abordagens. Nas aulas ao vivo é possível reservar este tempo para tirar dúvidas que porventura não tenham sido resolvidas, retomar algum ponto e mesmo introduzir levemente o assunto do próximo encontro. Em aulas gravadas, este é o momento de recomendar leituras, filmes ou vídeos que possam auxiliar na fixação do conteúdo, além de estimular o feedback dos estudantes pelos canais disponíveis ao curso.

O roteiro

O roteiro é uma ferramenta que nos permite representar imagens e sons através de palavras. É justamente isso que faremos a seguir, em nossos exemplos de como um roteiro de aula virtual deve ser elaborado, tanto para uma aula gravada quanto para uma aula ao vivo. É claro que eles serão genéricos. São como fôrmas a serem preenchidas.

No meio audiovisual, os modelos de roteiro que apresentamos são conhecidos como roteiros de tabela, muito utilizados em produções de curta duração, como videoclipes e tutoriais no Youtube. Eles funcionam muito bem para estes casos, justamente pela simplicidade na construção e facilidade de utilização. Assim, são perfeitos também para videoaulas.

O roteiro de tabela é composto por duas partes, uma de cada lado. Numa delas colocamos aquilo que vai aparecer na tela, ou vídeo, enquanto na outra colocamos o que iremos ouvir, ou o áudio. O início de sua construção poderia ser assim:

A ideia é colocar na parte do vídeo tudo o que será mostrado. Sendo assim, além do próprio educador, ali poderá estar a imagem de um livro, de uma foto, de uma página da internet, do trecho de um filme etc. O vídeo e o áudio nestes casos poderiam ficar assim:

Agora que entendemos como funcionam as partes do vídeo e do áudio no roteiro, vamos construí-lo com a problematização, o conteúdo, a prática e o desfecho numa aula ao vivo.

Para o caso de uma aula gravada, nosso modelo ficaria bastante semelhante, mas sem a necessidade de reservar momentos para a interação com os estudantes.

No fim das contas, a principal função do roteiro é ajudar na elaboração de uma boa história para aula, ou seja, criar um bom conflito. Podemos dizer que ele serve mais para planejar a aula do que para colocá-la em prática. Obviamente a intenção é seguir o roteiro e buscar o seu objetivo final, mas dar aula é algo vivo e que depende muito do momento.

Planejar aulas e calcular o conteúdo de acordo com o tempo é algo que todo bom educador sabe fazer. Produzir um roteiro é apenas uma adaptação de linguagem e uma forma de tornar as aulas mais interessantes para o meio audiovisual. Tendo uma boa história e um conflito, resta apenas fazer o que sempre foi feito nas salas de aula reais.

Tenha em mão seu material de apoio e faça anotações que lhe ajudem a seguir o roteiro durante a aula. Deste modo, será possível concentrar-se no que foi planejado e prestar atenção na dinâmica de troca com os estudantes, se for o caso. No final de cada aula, avalie o que deu certo e o que não funcionou no roteiro e na sua execução para manter-se em constante desenvolvimento.

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